Médicos cubanos sob ameaça no Estado



Em um posto de saúde da família, a médica cubana que está há mais de um ano no Estado trabalha temerosa. Há um mês soube pelo supervisor no Estado, um cubano, que o marido, única família que tem aqui, terá que regressar por determinação do governo de Cuba. Caso não cumpra, será desligada do Mais Médicos e submetida a sanções de uma comissão disciplinar, podendo até perder o direito de exercer a profissão. A ordem é válida para os 11,5 mil profissionais que estão no Brasil atuando no programa. São 515 em Pernambuco. Segundo a Associação Médica Brasileira (AMB), situações como essa têm sido denunciadas, mas sempre de forma sigilosa. Com os passos controlados pelo supervisor cubano, temem sofrer punições. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal decidiu intervir.

Para isso, solicitou uma audiência com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. A comissão considera a exigência de Cuba uma violação aos direitos humanos e quer uma resposta do governo brasileiro, já que a permanência das famílias no País está legalizada. “Queremos um posicionamento firme do ministro. Querer separar a força uma família é uma violação de direitos. Não podemos admitir isso, ainda mais porque essas famílias entraram no Brasil legalmente, têm visto de permanência”, argumenta o deputado pernambucano Daniel Coelho, que integra a Comissão de Direitos Humanos. Ele defende que o Brasil tem o dever de proteger essas pessoas.

“Não podemos comungar com as regras de um país que não é democrático. O governo brasileiro precisa dar garantia a todos porque estando aqui eles estão amparados pela legislação brasileira”, argumentou. Outra indicação é que os parlamentares levem para um encontro da Comissão, agendado para a próxima quarta-feira (25), novas denúncias dos seus estados. “Teremos mais subsídios para cobrar ao ministro”, afirma.

O presidente da AMB, Florentino Cardoso, também defende a permanência dos familiares dos médicos cubanos. Segundo ele, a associação recebe relatos sobre a perseguição sofrida por esses profissionais pelo governo de Cuba. No Ceará, por exemplo, um casal de médicos cubanos está sendo pressionado a mandar o filho, uma criança com idade não revelada, de volta à Ilha até o fim deste mês. “Isso é muito grave. Desejamos que todas as instituições brasileiras atuem de maneira ostensiva e rápida para acabarmos com esse sofrimento dos parentes. Principalmente as instituições que lidam com os direitos das crianças e dos adolescentes”, disse. Para ele, a condução autoritária dos castristas fere a autonomia brasileira. “O que estamos observando é a lei de outro país imperando aqui”, alfinetou.

Em nota, o Ministério da Saúde (MS) confirmou que a estadia dos parentes de médicos é um direito assegurado pela Lei dos Mais Médicos. Esses parentes têm direito ao visto temporário com o prazo de validade igual ao tempo de participação do médico no programa: “mesmo participando do programa os profissionais cubanos permanecem como funcionários do governo de Cuba, mantendo os benefícios do país de origem, como seus direitos sociais, além do salário e do vínculo de emprego”, disse a nota. Segundo o Ministério, o convênio com Cuba foi firmado por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Profissionais temem o governo

Os relatos de médicos cubanos desesperados com a mudança abrupta imprimida pelo governo castrista se multiplicam no País. Os médicos que trabalham em Pernambuco receberam na última semana um ultimato: o retorno dos filhos, esposo ou esposas até o fim deste mês. A Folha de Pernambucoencontrou alguns desses profissionais que afirmam ser perseguidos. Alguns quebraram o silêncio, mesmo temendo sofrer represálias. Mas pediram para não ser identificados.

Segundo uma das médicas, além das ligações, pessoas ligadas a OPAS e ao governo de Cuba estão no Estado avisando pessoalmente sobre a proibição da continuidade dos parentes. Contudo não conseguem explicar o porquê da medida. Ela acredita que os gestores cubanos temem perder seus médicos para o Brasil, já que com a família aqui a criação de vínculos fica mais forte. “O supervisor cubano informou que se não cumprir a ordem de Cuba não vou poder mais trabalhar. Terei que passar por uma comissão disciplinar. Posso perder tudo. Inclusive o direito de exercer a medicina”, desabafou a médica.

Outra médica, que também não revelou o nome, contou que começou a viver dias de terror quando há cerca de um mês recebeu uma ligação de um supervisor cubano da OPAS informando que o marido dela deveria voltar a cuba imediatamente. O esposo chegou em 2014 e seguiu todos os trâmites legais para vir morar com a mulher. “Não falamos de política, não falamos de estratégia ideológica, não falamos de religião, só falamos da família. Ficamos aqui para cumprir com nosso trabalho. Mas Cuba começou a achar que estamos nos aproveitando do contrato. Não entendo qual é esse aproveitamento”, reclamou um dos profissionais que trabalha em Pernambuco.

Fiscal de Cuba para pressionar

Quase um fantasma. Desconhecido pelo Ministério da Saúde, pela Secretaria Estadual de Saúde e pela Secretaria Municipal do Recife. Conhecido apenas por aqueles a quem dá os recados da OPAS. Esse é o supervisor da Organização Pan-Americana de Saúde, que atua como fiscal do trabalho dos cubanos em Pernambuco. Os médicos cubanos indicaram apenas seu primeiro nome: Gilberto.

A assessoria de comunicação do Ministério da Saúde informou que esses assessores são contratados pela OPAS e que o ministério não tem gerência sobre eles. A justificativa é: ficou delegado à Organização administrar o programa, já que a entidade tem expertise no assunto ajustando planos humanitários com médicos em mais de 60 países.

LEGISLAÇÃO - Nesse acerto cabe à Organização Pan-Americana da Saúde a administração e manutenção das relações jurídica e internacional com o governo de Cuba. Isso inclui a remuneração dos médicos, a relação dos profissionais com o governo e questões trabalhistas como férias. Contudo, o próprio Ministério da Saúde não pode explicar porque Cuba está passando por cima da Lei dos Mais Médicos e nem qual é exatamente o serviço desses fiscais estaduais no programa.

Fonte: programadizendotudo